16 agosto 2011

A Moda como Fetiche


A jornalista Carla Lima articula sobre a moda feminina e seu poder de sedução nos dias atuais.

A moda, como qualquer outra forma de expressão cultural, produz significados, constrói sentidos, posições de sujeitos, identidades individuais e grupais. Assim, pode ser entendia como reflexo de uma sociedade em determinado período histórico, como forma de expressão material da personalidade e também como fantasia. Sendo fantasia funciona como ferramenta para expressar toda forma de desejo e sonho, ora lúdicos, ora esperançoso, ora sexuais.
Não é novidade para ninguém que vivemos numa época onde quase todos os grandes tabus do sexo foram quebrados. Pelo menos em relação a moda feminina. Foi-se o tempo onde os micro-shorts ou saias eram condenados pela sociedade.
Corsets, vestidos ultra-justos, cinta-liga, correntes, couro e vinil há tempo deixaram de ser uniformes pura e exclusivamente sado-masoquitas e fetichista, e integram hoje o mainstream da moda global como ferramentas que traduzem poder, sedução e sensualidade. Pense em Betty Page ou nas fotos ultra sensuais e erótica de Helmut Newton. Nessa estética meio noir, cheia de mistério, mas também cheia de erotismo e sensualidade.
Há aproximadamente três décadas atrás, o culto a determinadas peças do vestuário ou partes do corpo passaram a influenciar a moda convencional. Tudo começou lá pelo fim dos anos 70, quando o punk aflorou com os Sex Pistols, que tinham figurino assinado por ninguém menos que a grande dama da moda, Vivienne Westwood. Era meio que um dos resultados da liberação sexual que ocorreu nas décadas de 60 e 70, que agora encontravam na moda uma poderosa ferramenta de protesto e difusão de ideais.
Salto agulha, couro ou vinil preto, bodysuit (também conhecidos como catsuits, roupas em látex, corsets, botas e uma variedade infinita de acessórios que fazem parte do universo fetichisita foram aos poucos ganhando espaço entre roupas tidas como mais convencionais.
Muito se deve à estilistas como Vivienne Westwood, Jean Paul Gaultier, Thierry Mugler e Claude Montana que nos anos 80 chocaram o mundo com suas coleções ultra sexuais, cheio de elementos fetichistas, utilizados como forma de provocação, mas acima de tudo, como roupa para vida real.
Vale lembrar que foi nos anos 80 também, que com o boom das academias de ginástica, teve início a todo esse endeusamento do corpo que vive seu ápice no dias de hoje. Tendo o universo fetichista como inspiração, só que traduzindo-o de forma bem menos chocante e muito mais sensual, Azzedine Alaïa nos anos 80, junto com Hervé Léger na década seguinte, apresentaram roupas que literalmente moldavam o corpo humano. Toda e qualquer curva era marca e ressaltada pelos vestidos ultra-justos (cofeccionados a partir de tiras elásticas no caso de Léger), dando ao corpo feminino uma extrema e altíssima dose de sensualidade.
Segundo o editor de moda da Play Boy, Ricardo Oliveros, “o fetiche está ligado a alguma forma de poder e extramemente conectado a algum objeto e a ao sentido de proibido”. Por isso, que sem perder seu teor de sensualidade e erotismo, o fetiche, e por conseqüência, o sexo na moda deixava aos poucos de ser visto como um tabu, como algo subversivo, e mais aliado as noções de poder, elegância e sofisticação.

 
Foi também, nos anos 90, graças às campanhas revolucionárias da Calvin Klein, clicadas pelo fotógrafo Bruce Weber que o nu (principalmente o masculino) ganhou ampla aceitação. “Antes quando era o corpo masculino fotografado por Robert Maplethorpe causaram escândalo, mas hoje em qualquer propaganda você tem homens nus ou seminus e não causam tanta estranheza”, conta Oliveros.
Era o início do que depois foi ser chamado de pornô chique. Uma tendência que ganhou forte relevância a partir da segunda metade dos anos 90, tanto na fotografia, quanto em editoriais e publicidade de moda. Por mais que elementos fetichistas e o próprio sexo já tivessem sido utilizados com fins comerciais antes, nunca foi tão chique a ponto de marcar por completo o fim e início de duas décadas – 1990 e 2000.
A visão e desenho de styling de Carine Roitfeld – hoje editora da Vogue Francesa – para a Gucci de Tom Ford, também teve extrema importância para toda essa estética. Juntos fizeram algumas das campanhas mais eróticas e sensuais de todos os tempos. Isso sem contar nos trabalhos dos fotógrafos Terry Richardson e Mathias Vriens.
Recentemente, com a volta dos anos 80 e o prolongamento dos eternos 90, vimos várias coleções explorando diversas formas de fetichismo. Para o verão 2008, a Dolce&Gabbana, investiu em looks sintéticas, com direito até a cinturões e corsets e algemas de metal. Marc Jacobs, na mesma temporada, mostrou uma excelente coleção cheia de recortes e transparências que revelavam partes mais íntimas do corpo. Já para o inverno 2008, a Prada investiu nas rendas como forma de brincar com a sexualidade e castidade, característica que ficou ainda mais clara no seu desfile masculino.
Com tudo, toda essa estética pornô que acompanhou todo o legado de uma era no fim do século XX, não resiste por muito tempo, acabando por se tornar vitima de sua próprio produto. Os mesmo acessórios utilizados uma vez para enaltecer o corpo e ressaltar suas formas, agora acabam por ocultando-o.
Hoje, a cultura de massa, e mais ainda, do consumo se consolidou por completo, afetando o imaginário sexual dos indivíduos. Sobre isso, Valerie Steele, autora do livro “Fetiche”, afirma que o fetichismo na moda também pode ser relacionado aos produtos de luxo, que acabam por transformar as roupas e acessórios em verdadeiros objetos de desejo.
É um pouco de afirmação sobre as idéias de Baudrillard, segundo as quais à serviço do design, o fetiche controla o corpo. Não é mais o corpo que é enaltecidos com pelo salto agulha, ou pelo corset, e sim as próprias peças ganham relevância em prol do corpo.
Como se o próprio ser humano se submetesse àquele ideal de poder e dominação que o fetiche carrega embutido em si. Os acessórios e roupas utilizados uma vez para dar poder e dominação ao corpo, acabam sendo subvertidos para dominar o próprio corpo. Não é à toa, que hoje uma das formas fetichisitas que mais cresce no mundo todo são as body modifications, ou alterações corporais.
Daí que hoje, já podemos presenciar um começo de busca por um novo fetichismo. Não que aquele como conhecemos não esteja mais em uso, mas que acabou perdendo um pouco de seu sentido, dada sua massificação.
Na moda, essa estética vem sendo trabalhada por alguns estilistas que ainda não afloraram ao mainstream, e que, graças a Deus, nem o almejam. Os belgas, Bernhard Wilhem e Walter Van Beirendonck são dois deles, e provavelmente os mais promissores. Ambos, sempre tiverem o sexo bem presente em suas coleções, mas agora trabalham com mais vigor sobre o tema, apresentando idéias sem o menor pudor – como devem ser – e também propondo novas idéias sobre sexualidade e padrões estéticos.

Fontes: Valéria Brandini – O luxo e marcas de grifes e o Marketing que estimulam o fetiche
Lícia Egger Moellwald – Antropóloga estudiosa em fetiche de roupas
Carla Lima é Consultoria de Imagem e Colunista de Moda no Rio de Janeiro

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